As batalhas épicas da Libertadores são históricas. Jogos pegados, disputados até o último minuto, à base de suor, sangue e lágrimas. Partidas que entram para a história por transformarem meros mortais em heróis, em deuses, em mitos que perduram até os dias de hoje. Batalhas de titãs: equipes brasileiras sofrendo em estádios nos países sul-americanos, contra Peñarol, River Plate, Cobreloa. Hoje, Flamengo e Fluminense protagonizaram partidas que com certeza
não entrarão para esse hall de confrontos históricos.
Contra adversários ridiculamente fracos, os cariocas fizeram de tudo pra complicar jogos que deveriam ser fáceis e sem sustos. América-MEX e Nacional-COL, outrora grandes, contam, atualmente, com times vergonhosos. Defesas fracas, jogadores pouco criativos na meia-cancha, e atletas acima do peso (Cabañas pelo time mexicano, e o ex-palmeirense Muñoz pela equipe colombiana) caracterizaram tanto o adversário do rubro-negro quanto o do tricolor. Mesmo assim, o Fla teve um jogo de emoções à flor da pele, e o Flu apresentou atuação apática, chegando a tomar sufoco mesmo com um a mais em campo.

Como nosso grande blogueiro Flip analisou em seu post, o Flamengo perdeu várias oportunidades, podendo ter matado o jogo com muito mais rapidez e tranqüilidade. Essa é a primeira lição para dramatizar partidas simples: jogue fora todas as chances que lhe aparecerem, lembrando sempre do lema: “quem não faz leva”. Assim, você fica livre para buscar a vitória heróica nos últimos minutos de jogo.
Valeu a boa campanha do time na fase de grupos: a fraqueza do adversário tornou esses erros do Flamengo insignificantes: a ampla superioridade rubro-negra prevaleceu mesmo assim, num final bastante emocionante. O time saiu bem na foto, no fim das contas: o Fla conseguiu uma boa vitória e garantiu tranqüilidade no jogo de volta, com um heroísmo desnecessário e de contornos épicos, o que acaba por deixá-lo com boa imagem frente à torcida e à imprensa.
O Fluminense me parece ter sido ainda mais incompetente que o Clube de Regatas. Seu adversário era tão ruim quanto o América-MEX, e o tricolor ainda foi beneficiado por um pênalti, na minha opinião, inexistente. Depois de linda arrancada, Júnior César entrou na área e adiantou demais a bola. O goleiro saiu de maneira imprudente; entretanto, ele não toca o lateral tricolor, que me parece saltar e cavar o pênalti. Mas, como o juiz interpretou que a penalidade existiu, ele procedeu corretamente ao expulsar o jovem goleiro Ospina. Thiago Neves converteu o pênalti a favor do tricolor (será que o Washington chegou a pedir pra bater, hein?), revertendo a situação do jogo. Antes apático e jogando mal, agora o Flu estava na frente e com um homem a mais.
Entretanto, nem isso fez o tricolor melhorar sua atuação: os jogadores continuaram sem vontade, dando toquinhos de lado, com medo de avançar mais incisivamente e tentar definir o jogo. Segunda regra básica para complicar jogos fáceis: quando o adversário for infinitamente inferior a você, não parta pra cima. Deixe-o vir, faça-o parecer mais forte do que realmente é, simule “economia de esforços” e “inteligência em administrar resultados”. Isso tornará difícil a vitória fácil, e, portanto, ela será mais valorosa... (?)
Na volta para o segundo tempo, talvez Renato já pudesse lançar Dodô, pra tentar vencer logo a partida e garantir a classificação. Mas o Flu voltou com a mesma escalação e a mesma apatia. O Nacional chegou com um pouco mais de vontade e conseguiu diminuir o placar logo no comecinho: numa cobrança de escanteio, Wash cortou mal; a bola foi parar nos pés de Arrué, que não perdoou e mandou no ângulo.
Thiago Silva, o melhor zagueiro do Brasil, deixou o campo pouco depois, com um estiramento na coxa. Foi substituído pelo experiente Roger, que não comprometeu. A alteração seguinte de Renato foi uma das mais geniais lições de como entregar o ouro ao bandido.
Seu time tem plenas possibilidades de vencer a partida, mesmo depois de sofrer o gol de empate? Diminua um pouco essas chances tirando um dos maiores craques do time (Thiago Neves – que não jogava bem, admito: mas estava tão mal quanto o resto do time, e o camisa 10 tricolor é inegavelmente um jogador que, mesmo estando mal, pode decidir a partida em um lance) e coloque um volante(?)/meia(?) inoperante, que não marque bem, nem passe bem, nem tenha habilidade. Que só corra e perca a bola (no caso do jogo, esse papel coube ao esforçado, mas nulo, Maurício).
E tome apatia, e tome incompetência. A sorte é que o Flu não tinha só um

craque capaz de decidir o jogo: Conca, num chute de longe, vence o goleiro Barahona, que pula atrasado e deixa passar uma bola pouco perigosa. Agora é hora de o time engrenar e fazer um placar mais elástico pra garantir de vez a classificação, não é?
E aí vem Dodô! O atacante dos gols bonitos pode voltar de maneira triunfal, e quem sabe até fazer o Washington (em péssima fase) voltar a jogar bem, já que foi ao lado de um atacante de ofício que o Coração Valente, Guerreiro Tricolor teve suas melhores atuações.
Mas o Renato é mesmo um mestre do “ah, não, vai ficar fácil demais, vamo dificultar essa parada”. E em vez de tirar o desaparecido Cícero, saca justamente o Conca, que acabara de fazer o gol! O Flu finalmente volta a ter dois atacantes – mas, em compensação, não tem mais nenhum armador em campo. Sem ligação entre o meio e o ataque, o tricolor toma sufoco no final da partida: Libertadores tem que ser suada, né.
Afinal, o senso comum diz que nada vem (nada pode vir) facilmente. Não há mérito em vitórias fáceis, não há mérito no que não exige de nós esforços sobre-humanos. Toda vitória há de ser sofrimento profundo, batalha épica, Grêmio e Peñarol – Renato Gaúcho que o diga.
Vai ver é inconscientemente que transformamos os problemas mais simples em grandes dilemas definidores das nossas vidas. Não admitimos que os dragões sejam apenas moinhos de vento. Até os pequenos percalços do dia-a-dia se tornam jornadas épicas através da Terra-Média para salvar a raça humana. Isso pode até ser bom enquanto vencermos essas pequenas batalhas: vamos nos sentir como se tivéssemos acabado de derrotar o Boca em pleno La Bombonera, no último minuto, tomando porrada dos jogadores e sendo atingidos por objetos vindos da torcida. Cada pequena vitória, um título mundial.
O problema vai ser quando, de tanto sabotarmos nossas próprias “vitórias fáceis”, acabarmos perdendo. Difícil avaliar o tamanho da queda...

Admitamos logo: nem todo jogo de Libertadores é Peñarol e Grêmio. Pode ser um Fluminense e Nacional-COL completamente sem graça, apático, em mais um daqueles pequenos percalços do cotidiano, mais uma pequena batalha da vida diária, felizmente vencida.