
Não estamos aqui idolatrando o futebol europeu ou a Euro em si. A seleção brasileira é totalmente capaz de jogar no mesmo nível, e até melhor do que fizeram Espanha e Alemanha, justamente porque tem talento para isso. A questão portanto não é em relação à técnica, mas à mentalidade. Seleções como Holanda, Alemanha e Espanha já perceberam que a retranca não é mais interessante, que ela é previsível e pouco eficaz. Jogar recuado para não tomar gols é perigoso. A idéia agora é atacar, pressionar, sem deixar chances para o adversário se estabilizar e armar jogadas. Como sempre deveria ter sido.

Vendo que a "blitz" espanhola logo alcançaria os seus objetivos, os alemães resolveram reagir, principalmente nas jogadas pela esquerda de seu ataque, protagonizadas por Podolski e Lahm. Como sobe ao ataque o pequeno camisa 16 alemão. Ah, a posição dele? Lateral-esquerdo. Tomara que o Dunga pegue a dica.
A ofensiva espanhola continou, como notou-se no chute rasteiro de Fábregas, que Lehmann caiu bem e agarrou. As ações começaram a se equilibrar, até "aquele" momento. Aquela fração de segundos que cala e ensurdece ao mesmo tempo. Aqueles instantes nos quais até Cronos pára e observa, que enlouquecem qualquer amante de futebol: o gol. Xavi deu um passe em profundidade para "El Niño" Torres, que ganhou a disputa de bola com Lahm, e tocou por cima na saída do goleiro alemão.

A Alemanha não sentiu o impacto. Continou perseverante, como sempre faz o povo alemão, não importando o grau do desastre. Lutaria mesmo que para vencer fosse necessário sangrar.

A Espanha atuou no tempo inicial num ofensivo 4-1-4-1, sendo Marcos Senna o homem de meio de campo mais recuado, e a linha de quatro mais à frente foi formada por Iniesta e David Silva nas pontas e Xavi e Fábregas mais centralizados. Xavi jogou muito bem nesses primeiros 45 minutos. Já Cesc, nem tanto. Os alemães estavam orientados a partir da tática 4-2-3-1, com Podolski, Ballack e Schweinsteiger municiando o artilheiro Klose. Porém, o trio não jogou o que se esperava dele.
O segundo tempo começou com os espanhóis pressionando os germânicos. Aos 8 minutos, Xavi quase marcou em um arremate cruzado, mas o eterno Lehmann desviou a bola para fora. No lance seguinte, em uma cobrança de escanteio, a redonda voou por cima da área e parou nos pés de David Silva, que mandou um chute que atravessou a frente do gol alemão, mas ninguém concluiu a jogada. A essa altura do jogo, já podia-se responder a seguinte pergunta: Porque a Espanha está dominando? Porque ataca com mais jogadores; Sérgio Ramos avança constantemente; a troca de passes da Fúria é rápida e envolvente; e porque Torres joga posicionado entre os zagueiros, esperando um passe longo para sair em velocidade.
Após a entrada do brasileiro naturalizado Kevin Kuranyi, a seleção alemã melhorou um pouco. Um sinal dessa melhora foi o chute de Ballack, aos 14 minutos. Alías, Kuranyi só entrou em campo para distribuir pontapés, como fez na dividida com o outro brasileiro, Marcos Senna. Com a presença de mais um homem de área do time adversário além de Klose, a Espanha foi obrigada a recuar. Mas recuar não significa deixar de atacar. Mesmo tirando Fábregas e David Silva. A Fúria quase marcou o segundo em 3 oportunidades: numa cabeçada de Sérgio Ramos; num chute de Iniesta; e numa jogada em que Marcos Senna não alcançou a bola, jogada essa que ele mesmo começou. Os espanhóis dominavam o meio-campo, tocavam a bola com rapidez e qualidade. O maior exemplo disso aconteceu aos 46 minutos, quando a Espanha botou a Alemanha na roda, literalmente. Eles mostraram que o passe, um dos fundamentos do futebol, ainda é valorizado, mesmo como o legado de marcação deixado pela última Copa do Mundo.
Parabéns à Espanha, bicampeã da Eurocopa, com todos os méritos. Tudo bem que o título demorou para vir de novo (44 anos), mas foi conquistado por um ótimo time. Que bom que uma geração talentosa como esta, que conta com o grande Casillias, Fábregas, Puyol, David Villa e Torres, além de bons jogadores como Xavi e Iniesta, deixou a sua marca na história da Europa.

Parabéns também para a seleção alemã. Infelizmente, no final, só pode haver um vencedor. Mas a continuidade que o técnico Löw deu ao trabalho de Klinsmann foi notório. A Alemanha fez uma Eurocopa muito boa, compatível com a sua história. A base da equipe que foi terceiro colocada em 2006 manteve o futebol de alto nível nesta Euro. Lehmann está entre os melhores goleiros do mundo. Lahm é um lateral que agrada a muitos treinadores. Ballack, apesar dos sumiços, merece destaque. Podolski e Schweinsteiger são muito bons jogadores, e Klose continua sendo um atacante de peso.

Alguns já dizem que o futebol apresentado pelos espanhóis, holandeses e alemães é momentâneo, que a euforia em relação a eles é indevida. Talvez, mas como não considerar digna a exibição espanhola, por exemplo, se levarmos em conta o futebol burocrático que vinha sendo praticado há alguns anos por todo o mundo, e que infelizmente ainda é modelo para a nossa seleção brasileira?
Tomara que a tendência do futebol a partir de hoje basei-se nessa Euro-2008. Que seleções e times busquem incessantemente o gol, a vitória. Que o passe, o drible, e o gol sejam os principais tópicos dos treinos. Tomara que as coisas continuem melhorando até a Copa de 2010. Para fechar, uma foto da festa espanhola, que ainda deve durar muitos dias. Obrigado Aragonés, por montar um time que joga para frente. Que as estruturas do futebol-força e defensivo sejam derrubadas, e que sejam erguidos novos pilares, baseados no futebol-arte, na técnica, na habilidade, no passe, no drible, e na alegria.
